Sonho minguado

Houve um tempo que ir ao Salão do Automóvel de São Paulo para ver as novidades das quatro fabricantes de automóveis existentes no Brasil era oportunidade única para conhecer os lançamentos, as tendências tecnológicas e, principalmente, apreciar os modelos comercializados nos países matrizes, que eram proibidos de transitar em ruas tupiniquins por conta de um decreto da ditadura, em 1976.

A abertura do mercado para veículos importados aguçou ainda mais a curiosidade e vontade do brasileiro em possuir um automóvel, ainda que para isso levasse junto um gordo carnê, com 60, 72 folhas de boletos bancários. E, com isso, a popularidade do Salão do Automóvel explodiu. O sonho do carro próprio e a conquista de liberdade estava à mão.

Ao mesmo tempo que as sociedades evoluem, os automóveis também. O ser humano detona o planeta, enche rios e mares de fezes e porcarias químicas, esfumaça o céu e torna o ar tóxico, esgota a terra, queima as árvores, enfim, destrói o próprio lar. E, numa tentativa de minimizar todos os efeitos nocivos de tanta atividade industrial, busca produzir veículos mais eficientes e menos poluentes. Assim, lança mão de muita tecnologia, com uso da eletrônica para controlar e gerenciar o funcionamento dos motores.

A criatividade humana é grande e os automóveis ficam cada vez mais modernos e atraentes. Mas, a sociedade evolui, e aparentemente se fascina cada vez menos com carros possantes e cheios de botões. Será mesmo?

O produto automóvel ainda desperta muita curiosidade. Mas, infelizmente, as fabricantes têm feito mais do mesmo, principalmente em relação ao design. Se não fosse pelo emblema da marca, seria quase impossível dizer se um hatch compacto é de uma montadora norte-americana ou sul-coreana…

Talvez seja por isso que o público dos Salões europeus e norte-americanos tem minguado. Mas, aqui no Brasil, o consumidor ainda não é assim tão evoluído. Nem os carros. A maioria dos veículos que habitam as ruas e avenidas é popular, com baixo conteúdo tecnológico e, ainda que o gap com os modelos de fora esteja menor, a grande maioria dos consumidores ainda sonha em levar um possante melhor para a garagem.

E, enquanto o sonho é válido, ele vai ao Salão. E não vai sozinho. Leva o filho, filha, esposa, sobrinho, tio, pai, mãe, avós… só não leva o papagaio porque não pode. Ele sonha e transmite a paixão para os filhos.

Mas, por que vai ao salão? Porque não se atreve a entrar na concessionária, pois lá não é lugar para ficar sonhando… mas no salão! Ah, o Salão do Automóvel é o lugar perfeito para sonhar!

Infelizmente este ano o sonho mingou. Esse ano, ele vai ao Salão e terá um sonho menor, mais curto, menos empolgante, com a ausência de tantas marcas, que não acreditam mais no modelo off line de convencimento do consumidor.

Assim, o apaixonado por carro não terá como passar este sentimento para o filho, que provavelmente vai preferir um smartphone ao automóvel. Afinal, pelo celular pode encontrar o veículo que quiser, sem precisar comprá-lo, sem precisar ter todas as despesas chatas oriundas da posse de um automóvel: impostos, documentos, seguro, manutenção, combustível, estacionamento, entre outros.

No final das contas, quem perde com a ausência de tantas marcas é o consumidor. Mas, a longo prazo, a própria indústria está dando um tiro no pé ao privá-lo de sonhar…

Alexandre Akashi

Editor da Revista Farol Alto alexandre@farolalto.com.br

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